Nirlando Beirão
Intrigava a todo mundo, vocês se lembram, aquela caneta de ponta fina deslizando pelo papel, e produzindo traços sorrateiros, enquanto as reuniões de pauta do jornal suscitavam temas como a eleição municipal, o PCC e o novo ataque do Corinthians.
Ele ouvia, digamos assim de esguelha, e até que prestava certa atenção na conversa, mas seus desenhos como que o afastavam dali para um limbo de fantasia, impermeável à crueza e à mediocridade daquela realidade vomitada dia após dia à frente de nós, pobres jornalistas.
As caricaturas do Murilo – algumas delas estão aqui – podiam ser de uma maldade atroz, pontiaguda, mas até na crueldade ele sabia manter a delicadeza. Por alguma razão, nunca fui vítima delas. Acho que não.
Caricaturas o que são, senão o direito de exacerbar detalhes e acentuar traços? O Murilinho adorava fazer isso. Mas, de tanto me confrontar com as caricaturas dele, sutis mas pegajosas, entendi um dia que o Murilinho traduzia, ele próprio, no seu jeito de ser, de vestir, de andar, passos miúdos se esgueirando pelas paredes do mundo, essa qualidade iconográfica da reiteração e da redundância, tão vital ao nosso universo atroz da comunicação imediata.
Olhem lá: o invariável cashmere clarinho, a calça de sarja, os jornais e revistas debaixo do braço – assim, o invariável caricaturista como se candidata ao jogo de espelho no qual passa a ser, ele, não o desenhista, e, sim, o desenhado.
Como caricatura presume humor, o Murilo acatou a regra da brincadeira, que consiste em rir dos outros, mas também rir de si mesmo.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
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