quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Bola Virtual: Murilinho, volte aqui. Não volta mais!

Alberto Helena Jr.


Já leu Proust? Pois precisa ler, precisa ler – sentenciou-me com o indicador quase diáfano pautando no ar cada sílaba.

- Aimez-vous Brahms? – respondi-lhe, numa alusão ao péssimo romance de Françoise Sagan que ainda fazia um sucesso danado naquele tempo distante, virada dos anos 50 para os 60, pois sabia já de sua paixão por Bach, Vivaldi e seu horror por textos ruins. Um diálogo insólito, feito de referências e insinuações, que marcaria nossos encontros pela vida afora durante os últimos quarenta e tantos anos.

Murilinho, até então, aos meus olhos, era apenas uma silhueta curiosa, um fiapo de gente, alva, quase transparente, que cortava a noite e as redações sobraçando maços de jornais, revistas e livros, naquele passinho miúdo e rápido, dissimulando assim o gênio do jornalismo brasileiro que se escondia por trás de um meio sorriso cínico com o qual encerrava seus breves e frequentes recitais de assobio, acompanhando do dedinho diáfano no ar, feito batuta de maestro.

- Escale sua Seleção. Se bater com a minha, está contratado. – anunciou muitos anos depois, na mesa do primeiro Giovanni Bruno.

Esse era o teste a que Murilinho me submetia para ver se este ex-crítico de música sabia sobre o futebol o suficiente para voltar ao Jornal da Tarde, agora, em nova função.

Recitei nome por nome da minha seleção ideal para a Copa de 70, e fui aprovado:

- Bate com a minha, bate com a minha – ciciou Murilinho, que não falava, ciciava.

- Pois se bate com a sua, não deveria nunca me contratar, já você não sabe nem o formato de uma bola de futebol, quanto mais escalar uma Seleção Brasleira.

Não sabia mesmo, nunca chutou bola, nem de meia. Mas, lia, lia muito, e sabia de tudo o que estava ocorrendo no mundo, em cada seção dos jornais, identificava talentos para o ofício onde ninguém suspeitaria ali estivesse um pingo de bossa para a profissão. Disfarçava, porém, todo esse conhecimento sob um falso véu de alienação, e se divertia muito com isso.

Há tempos não o via. E eis que, de repente, surpreendo sua silhueta passando ali em frente, abraçado àquela pilha de livros, jornais e revistas, no passo miúdo e rápido. Pra onde vai, Murilo? Espere mais um pouco, o copo ainda está cheio, cara. Volte aqui. Não volta mais.

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