Luiz Carlos Secco
Da mesma forma com que dava beleza às páginas do Jornal da Tarde, Murilo Felisberto ornamentava a vida, prestigiava as amizades, incentivava os companheiros de trabalho, acolhia as boas idéias. Afável, com voz tranqüila e sorriso que viajava entre a timidez e o respeito transmitia paz e confiança a quem dele se acercava. Foi sempre assim em nossa convivência no jornal e, posteriormente, fora dele, era tratado com elegância e me fazia sentir que estava feliz por me encontrar e que nutria admiração pelos trabalhos que realizei ao longo dos anos. Era evidente a sua alegria por encontrar um velho companheiro.
Altamente competente e criativo, era também sofisticado. Creio que não dirigia veículos, mas nutria muita paixão por carros, especialmente pelos belos, como o Duesenberg, um clássico norte-americano dos anos 20 e 30 que marcou época pela exuberância de seu acabamento, pela esportividade marcante, pelas linhas nobres e pelo requinte mecânico. Automóvel desejado por personalidades ilustres, atores e atrizes. O duque de Windsor, os reis Alfonso XIII, da Espanha, e Emmanuel, da Itália, Greta Garbo, Mae West, Clark Gable e Gary Cooper foram alguns entre os famosos a possuir um Duesenberg.
Entre os carros brasileiros, entusiasmou-se pelo Chevrolet Opala quando foi lançado, em 1968. Sua mente criativa imaginou um acabamento diferente para esse produto com carroceria européia e mecânica norte-americana com o qual a General Motors ingressou no campo dos automóveis, depois de muito tempo como mera fabricante de pick-ups e caminhões: branco, com interior inteiramente na mesma cor.
Murilo mantinha o comportamento ameno até nos momentos em que o normal seria agir com rispidez. Lembro-me que idealizei uma reportagem na antiga chácara da Willys, em São Bernardo do Campo, onde a empresa preparou-se para fotografar toda a linha 1967, inclusive o Itamaraty Executivo, primeira limusine brasileira que teve o primeiro exemplar entregue ao então presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco. Pelo forte esquema de segurança que seria montado, imaginei que as fotos somente seriam possíveis com o uso de um helicóptero, idéia que ele aprovou entusiasmado. Naturalmente, o setor de transportes do jornal precisaria tomar as providências para a locação da aeronave. Mas, ao entregar a requisição por ele assinada, recebi um categórico “não” do responsável. Ao saber da negativa, Murilo não perdeu a elegância, nem levantou a voz. Simplesmente levantou-se da cadeira, dirigiu-se ao chefe de transportes e o convenceu, de forma amena, sobre a importância do trabalho para o jornal.
Foi a primeira reportagem brasileira do setor automotivo com esse recurso e, como resultado, um vibrante trabalho, que envolveu tentativas de agressão, armas empunhadas e a colisão de uma pick-up Willys na traseira de um Mercury 53, que o fotógrafo Luiz Manuel idolatrava, mas que decidiu colocar no esquema para evitar a presença de veículos do jornal que nos identificassem. A reportagem terminou com uma fuga da equipe do jornal no velho Mercury amarrotado vencendo uma perseguição feita pelos raivosos funcionários da Willys em carros do modelo ainda a ser lançado. Entusiasmado com o trabalho, o próprio Murilo fez o título de uma das páginas da reportagem: “Willys 67 perde sua primeira corrida”.
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
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