Roberto Duailibi
O Murilo era tão discreto que, devo confessar agora, não me lembro de muitas coisas dele. Apesar de haver trabalhado ao seu lado durante sete anos, lembro-me apenas que, bem humorado, referia-se a seus colegas fofoqueiros dizendo “Eh, Cambada!” Lembro-me apenas que, quando eu vinha com o nome de um prospect para o qual queríamos fazer uma campanha vencedora, ele desenhava vários layouts num pedacinho de papel que, depois, se transformavam numa campanha memorável.
Lembro-me da admiração que ele tinha por Tom Waits e por suas duas pequenas obras, “No One Knows I’m Gone” e “I’m Still Here”, dois títulos que parecem, hoje, se referir ao próprio Murilo. E como ele apreciava John Caples, o New York Times e o The Economist e seus títulos. E ainda como conhecia o Brasil.
Lembro apenas, tão discreto era o Murilo, que ele estava sempre rodeado de alguns jovens redatores e jovens diretores de arte, ilustradores e tipógrafos, que, sob sua liderança, criavam grandes campanhas. Lembro-me do Aron Sutton, do André Laurentino do Ilan Kow, do Robson, da Corina Crawford, do Daniel Kondo, do Tião Bernardes, do Fernando Tepedjian, do Luciano Zuffo, da Rita Corradi, do Raul Orfão, da Karen Sá Rego, − gente que hoje ganha prêmios por seu talento. Tão discreto era o Murilo, tão mineiro, que, lembro-me apenas, nunca falava quão importante era na definição do novo jornalismo brasileiro. O Murilo Felisberto era realmente uma pessoa discreta. Tão discreta, mas tão talentosa, que causava ciúmes em alguns outros profissionais. Lembro-me como fiquei escandalizado quando, na DPZ, pegando um elevador com ele, vi entrar um diretor de arte de um outro andar e virar as costas para o Murilo. Até hoje esse gesto está atravessado em meu coração. Justo com o Murilo! O Murilo era tão maravilhosamente discreto que, cada vez que eu estava angustiado, ia até a mesa dele (e trabalhámos no mesmo andar por sete anos!) e, no meio de dezenas de jornais e revistas, em sua mesa, via-o levar-me até a salinha do café e descobrir o que me deixava puto! E do papo com Murilo lembro-me sair sempre com um sorriso, pois a convivência com ele era um privilégio tão grande, um momento tão especial em nossas vidas, que sua simples presença era, em si mesmo,um prêmio que o destino nos dava. Há pessoas assim, cuja proximidade devemos olhar como um prêmio. Poder conversar com o Olavo Setubal, com o Mauro Santayana, com o Tancredo Neves, Said Farah, Sylvia, Keith Reinhard, Zaragoza, com gente que viveu aventuras incríveis, momentos tão especiais, como as que Murilo viveu. O simples fato de estar perto deles faz com que você sinta quão privilegiados somos como criaturas humanas. Outra coisa que me lembro do Murilo é que ele fazia questão de atribuir a criação aos verdadeiros criadores, recusando-se, algumas vezes, até de aparecer como Diretor de Criação. Dizia que era horrorosa essa história de algumas pessoas enfiarem o seu nome na criação dos outros, e criticava particularmente aqueles publicitários que já eram donos de agências e faziam questão que seu nome aparecesse em primeiro lugar nas fichas técnicas. “É o pior patrão”, dizia ele, “o que rouba a criação do empregado”. O Murilo era tão discreto que escolheu viver sózinho a partir de um certo momento. E a solidão deliberada, apenas o encontro casual de uns bons amigos, é a escolha definitiva, o cosmopolitanismo mais radical, o prazer supremo.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
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