segunda-feira, 28 de julho de 2008

'aM/pM'

Rafael Urenha


Todo mundo, quando pára um minuto e olha para trás no tempo, consegue identificar um momento, um acontecimento que mudou sua vida para sempre. Um ponto na trajetória de cada um em que uma fração de tempo, um encontro, uma conversa, uma ligação mudou de vez o curso dos fatos, da história. Tenho certeza que para a maioria das pessoas que escrevem este livro, senão todas, o primeiro encontro ou a primeira conversa com o Murilo foi um desses pontos fundamentais. Tudo a partir dali seria diferente. Ou seja, aM/pM: antes do Murilo e pós Murilo.
A minha história começou com uma ligação. Não minha, mas da minha namorada na época. Além de namorada, ela também era redatora e fazia dupla comigo na primeira agência em que eu trabalhei, recém saído da faculdade. Ela ligou para a DPZ e, por um desses caprichos dodestino, foi atendida diretamente pelo Murilo. Ele era então um dos diretores de criação da agência. Todas as ligações passavam pela Andréa, sua secretária. E apenas parte delas o Murilo escolhia atender. Esta ele atendeu, e numa conversa rápida, descobriu que quem estava ali querendo marcar uma entrevista era a neta de uma antiga colega de jornal. Murilo adorou a coincidência e a entrevista foi marcada. Raramente ele via portfólios sem que alguém lhe tivesse indicado. Chegou o tal dia e ele adorou mais ainda quando uma jovem bonita, loira, toda arrumada entrou no sétimo andar. Afinal, ele estava "pontuando". Durante a entrevista, analisou a pasta com curiosidade. De quem é esse lay-out? É do Rafa. E esse aqui? É do Rafa. E esse outro? Também é do Rafa. Mas quem é esse Rafa? Meu namorado, ela disse. Uma vaia enorme ecoou pelo andar. Pronto, para ele, a visita tinha sido um sucesso. Só um pedido antes que ela fosse embora: peça para o Rafa dar um pulo aqui. Ganhei um emprego, perdi a namorada.
Desse dia até hoje, passaram-se dez anos. Durante muito tempo fui apenas o personagem desta história. Ele adorava contar pra todo mundo que aparecia no andar e apontar pra mim.
Depois, muitas outras histórias vieram. Muitos cafés ele me convidou a pagar na copinha do sétimo andar. Muitas noites de quinta no Spot vieram. Ele sempre querendo saber qual era a última fofoca da DPZ, qual era a marca da última camisa que eu tinha comprado (se ela tinha "se pagado"), qual era a última mulher com quem eu tinha saído, qual era o último cd que eu tinha comprado, qual era o último corte de cabelo, qual era o último show que eu tinha viajado pra ver. Ele queria sempre uma história nova. E eu me esforçava para não decepcioná-lo. Assim, como ele mesmo dizia, ele foi me inventando. Esse era era seu maior talento. Ele transformava pessoas. Ele inventava pessoas melhores.
Como no jornalismo e na publicidade, ele era um exímio editor. Sabia separar o bom do ruim, o bonito do feio, o engraçado do sem graça, o inteligente do medíocre, o importante do supérfluo.
Fazia isso com as pessoas com quem ele convivia. Fez isso comigo. Foi meu chefe, meu amigo, mestre, conselheiro, confidente, figura paterna. É um orgulho enorme ser um dos pupilos do Murilo. É um privilégio olhar pra trás e perceber que um dos personagens principais da minha história foi ele.
Obrigado, Mu. Que falta que você faz. Um beijo.
Rafa

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