quarta-feira, 30 de julho de 2008

Meu mestre faixa preta

Theo Rocha

Nunca me esqueço do projeto gráfico do jornal da tarde.
Todos os finais de semana durante seis meses.
Só nós dois no 7º andar.
Frequentemente o silêncio durava a manhã inteira.
Nenhuma palavra.
As poucas vezes em que ele se pronunciava era quando eu ficava ali do seu lado com o layout em mãos esperando o melhor momento para interrompe-lo.
De trás do jornal ele esticava sua mãozinha branca e delicada, puxava o layout para dentro do seu mundo e devolvia, sem sair dele, com as seguintes palavras: “é theo, é theo…” e eu já sabia. Isso significava que ainda não estava bom.
Voltava pra minha mesa num certo nervosismo porque na maioria das vezes não tinha a menor idéia do que não estava bom.
Mais tarde, na hora em que saíamos para almoçar, entre um comentário e outro sobre pessoas que eu não fazia a menor idéia de quem eram, ele me explicava seu descontentamento com o “t” da tipografia que estávamos usando, comentava suas dúvidas sobre usar a entre-letra menos 0.4 ou 0.5 e reclamava dos constantes ajustes que ele tinha que fazer em seu som.
Foi assim entre um silêncio e outro que o Murilo me ensinou. Foi assim que viramos amigos. E foi assim que aprendi quase tudo que sei sobre direção de arte, muito sobre a vida e um pouco sobre a diferença entre a entre-letra 0.4 e 0.5.

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