segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Puro Espírito

Renato Pompeu

Mu não era simplesmente uma pessoa; era uma essência, tanto no sentido de ser uma forma abstrata e perfeita, de alma das coisas, como também no sentido de ser um perfume, um halo, uma aura que banhava as pessoas e que dele emanava. O conheci por volta de 1960, na redação das então Folhas, ele com 20, eu com 18 anos, e me impressionaram já o seu físico espirtualizado, esbelto, frágil, de ossos delicados, cabelos já grisalhos, seu rosto talhado como o de uma estátua, e sua alma de criador, ansioso pela beleza, que já então se destacava nos diagramas e nos temas que escolhia para o jornal. Ele já era então o líder espiritual da revolução jornalística que iria empolgar São Paulo a partir dos meados dos anos 1960. Como puro espírito, Mu estava sempre acima das mesquinhas condições materiais - eu, como jovem esquerdista, nem cheguei a considerar alienação o seu desinteresse pelas questões sociais: na verdade, ele estava mais preocupado do que os esquerdistas com as misérias da condição humana, só que tinha mais lucidez e, ao invés de lutar em vão para modificá-las, como nós, se fechou numa redoma de pura beleza e encanto, onde não havia feiúras. Dele emanava só beleza, só felicidade - foi sua contribuição para mudar o mundo. Tínhamos em comum a amizade da hoje professora de Ciência Política da USP Maria Hermínia Tavares de Almeida, na qual eu via uma militante trotskista - e ele, um anjo barroco. Ele tinha razão.

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