Sergio Oyama
Minha convivência com o Murilo não foi longa e nosso relacionamento nunca extrapolou o limite das conversas sobre assuntos profissionais. No entanto, ele foi o responsável por uma mudança radical e decisiva em minha vida.
Em 1959 eu era um jovem funcionário público (estava então com 20 anos) ainda à procura da minha vocação profissional. Foram incontáveis noites insones em que fiquei tentando decidir sobre que faculdade cursar. Entre as poucas opções que nunca haviam passado pela minha cabeça uma era o jornalismo. Mesmo porque, a única, e na época ainda desconhecida faculdade da área, era a Cásper Líbero.
Um dia, um grande amigo, o Emílio Matsumoto, que pouco tempo antes havia começado a trabalhar na Folha de S. Paulo como repórter, comunicou-me que o Murilo Felisberto estava procurando alguém que escrevesse bem para integrar a equipe de copy-desks da Local, editoria que ele comandava. Murilo estava empenhado em dar uma cara nova às suas páginas, e por isso procurava uma pessoa sem nenhuma experiência jornalística para poder treiná-lo sem ter que enfrentar o trabalho sacal de corrigir ou mudar estilos e vícios de linguagem para conseguir o texto que ele imaginava para as matérias. O Matsumoto achou que eu tinha o perfil requerido, já que toda a minha “experiência jornalística” se resumia em termos feito, eu e ele, um jornalzinho rodado em mimeógrafo e destinado aos jovens da igreja evangélica que freqüentávamos. Daí o Matsumoto conhecer também o meu texto, o que o fez recomendar-me ao Murilo. Como não havia nenhuma exigência quanto ao nível de escolaridade, lá fui eu para a Folha fazer um teste, no qual me saí razoavelmente bem, o suficiente para ser aprovado.
Lembro-me do Murilo dessa época como uma pessoa extremamente afável, sorriso maroto e com boa vontade para ensinar. Foi assim que me recebeu e me incentivou. Mas, acho que caí nas graças dele no dia em que preparei o texto de uma pequena nota sobre um furto cuja autoria, após descartados alguns suspeitos, a polícia atribuiu a um tal de Hiroito. O título, que me veio imediatamente à mente, foi: “Ladrão é o Hiroito”. Murilo adorou e saiu pela redação me elogiando: “O Oyama é bom!”. Não preciso dizer que foi meu minuto de glória.
Não fiquei muito tempo na Folha, creio que dois ou três anos... Ainda achava que o jornalismo não era a minha praia. Como continuava com meu emprego no funcionalismo público, pedi minha demissão e voltei para a rotina tranqüila da repartição.
Reencontrei o Murilo em 1966, quando, acompanhado de alguns colegas da Folha de S. Paulo, ele se juntou ao Mino Carta para criar o Jornal da Tarde. O evento novo me permitiu retornar às redações, e novamente sob o comando do Murilo. Ali, finalmente, encontrei um rumo para meu futuro profissional.
Lidar com o Murilo não era difícil. Hoje percebo que o que ele não gostava era de ser contrariado. Não me lembro de tê-lo visto algum dia alterado, perdendo o controle. A imagem que mais se fixou em minha memória é a dele curvado sobre a mesa, desenhando as páginas do jornal e sempre assoviando. Impressionava-me a velocidade com que as rabiscava, indicando as fontes e o tamanho das letras sem hesitar um segundo.
Em 1968, Mino Carta e parte de sua equipe no JT saíram para nova missão pioneira, fundar a revista Veja. Eu permaneci por mais algum tempo no jornal, mas meses depois acabei me juntando à turma do Mino. Depois disso perdi o contato com o Murilo..
Muitos anos depois, creio que já na década de 80, fui surpreendido por um telefonema dele. Murilo estava editando a recém-criada revista Vogue Homem e queria que eu escrevesse um artigo sobre uma experiência que fiz na redação de uma revista da Abril, ajudando um colega a zerar uma dívida financeira que se transformara em uma bola de neve. Fui vê-lo. Ele me recebeu com o sorriso de sempre, e mostrou-me com visível orgulho a última edição da Vogue Homem, pedindo minha opinião. Folheei a revista, realmente bem feita e bem a cara do Murilo. Elogiei o trabalho, e fiz uma observação, que nem me lembro qual foi, mas acho que dei uma de Jorge Horácio, o personagem do Minha nada mole vida, que se gaba de ser sincero, doa a quem doer. E parece que doeu no Murilo. Ele fechou a cara, e como já havíamos acertado o “frila” ele deu o encontro por encerrado. Dias depois entreguei o artigo e nunca mais nos encontramos.
Alguns anos atrás soube que ele havia retornado à direção do JT. A novidade chegou-me pelo meu filho, o Márcio, que me “sucedeu” no jornal e passou a trabalhar com o Murilo. Achei significativa essa coincidência...
Devo meu crescimento e aprimoramento como jornalista a pelo menos duas pessoas, com as quais compartilhei a maior parte dos meus mais de 40 anos de vida profissional: uma é o Emílio Matsumoto, já falecido, e o outro, o Ulysses Alves de Souza que, com o Matsumoto, foi também quem me indicou ao Murilo. E embora, como eu disse, minha convivência com o Murilo tenha sido relativamente pequena, eu sempre me lembro dele como a pessoa que, ao abrir a oportunidade para meu ingresso no jornalismo, livrou-me, sem o saber, da angustiante busca por uma profissão. Depois, conscientemente, me acolheu, orientou e incentivou.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
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