Júlio Moreno
Para ser sincero, eu não fazia parte da corte da “Rainha”, ou seja, daquele grupo da redação do JT mais íntimo do Murilinho. Mas havia entre nós algo em comum: o interesse por São Paulo. Eu, “repórter de cidade” ingênuo, acreditava que o urbanismo e uma boa administração municipal seriam a salvação de todas nossas mazelas. Ele, com uma visão bem mais ampla do mundo, era mais cético – e estava com a razão.
Certa vez, Murilinho me perguntou sobre o que eu achava de uma determinada rua nos Jardins onde ficava um apartamento de seu interesse. Eu, prestimoso, passei-lhe algumas informações sobre o zoneamento da região, o que supostamente lhe garantiria um uso permanentemente residencial, por isto e por aquilo, blá-blá-blá. Hoje sei que fui ridículo, dando uma resposta técnica para uma pergunta que tinha outro sentido. Murilinho, pragmático, queria apenas saber se vidros blindados abafariam o barulho das avenidas próximas...
Eu no sonho, ele na realidade. Penso que o segredo de sua genialidade era justamente esse senso agudo do real, do qual se apossava para dedilhar uma manchete irretocável ou desenhar mais uma de suas páginas criativas. Com Murilinho, o JT não tinha primeira página: eram “capas”, como se revista fosse. Uma revista diária.
Inesquecível a valorização que sua criatividade deu a uma reportagem que fiz sobre 200 prédios considerados, na administração Olavo Setúbal, “bens culturais” da cidade. Foram duas páginas centrais, com as fotos de todos os 200 prédios, formando um mosaico que até o prefeito me confessou guardar em seu arquivo como guia.
Sob seu comando, o JT foi o precursor do jornalismo de serviços de lazer e de grandes reportagens sobre temas gerais de São Paulo. Quem não se lembra do “Divirta-se” ? – que ele, inclusive, tentou empreender como revista independente. A “Vejinha” é a sua versão atualizada. Quem não curtia (no sentido figurado da palavra) os textos igualmente curtidos (no sentido correto da palavra) por jornalistas de renome, alguns dos quais viraram autores de best-sellers.
Senhor do real, Murilinho era um hábil transformador de rotinas. Que o digam aqueles editores que ele submetia de tempos em tempos a uma dança de cadeiras, realocando o titular da Economia para a editoria de Esportes, o de Esportes para a Política, e assim por diante. Todos na redação sabiam que a um rodízio sucederia outro, mas o intervalo exato era sempre uma surpresa – essa, aliás, outra característica de Murilinho. Nem todos saiam contentes. Ouso dizer que a prática era mesmo o terror da corte, mas sem dúvida ela ampliou muito a versatilidade dos editores que captaram seu valor e deu a nós, repórteres, a oportunidade de vivenciar diferentes chefias e orientações. “Rainha” era só um apelido folclórico. Na universidade que foi o JT em sua época, o mais correto seria chamá-lo de “Magnífico Senhor Reitor”. Já estou vendo o movimento dos dedos de sua mão direita ensaiando uma contestação, traída por um sorrissinho que retratava bem o que se passava em seu ego...
Júlio Moreno (“Repórter de Cidades” e Chefe-de-Reportagem de Economia do JT nas décadas de 70 e 80)
sábado, 27 de setembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário