Carlos Brickmann
Tudo bem, jornalismo é informação. Mas foi o Murilinho que me mostrou uma outra faceta do que deve ser a imprensa: além de mexer com a imagem dos outros, para o bem ou para o mal, precisa também cuidar da própria imagem.
Eu era editor de Internacional do Jornal da Tarde. Fechávamos de madrugada, com uma esticada pela manhã; e o jornal ia às bancas por volta de meio-dia.
Apareceu-me uma notícia interessante: com a alta do preço dos combustíveis, o Japão estava desenvolvendo um novo navio petroleiro, especialmente econômico - um veleiro. Era um veleiro supermoderno, com localização via satélite, velas controladas por computador, motores auxiliares - se a velocidade caísse abaixo de determinado limite, os motores entrariam em ação. A idéia é que mais da metade da viagem fosse realizada só com os ventos.
Mais de cem anos depois, a volta dos veleiros! Enchi meia página com uma foto do Cutty Sark, um veloz veleiro inglês que fazia a rota da China. E preparei uma matéria sobre o papel dos veleiros nas comunicações e na guerra.
Por volta das três da manhã, o Murilinho chegou à Redação. Olhou a página, gostou da idéia, não gostou da diagramação. Resolveu mudar tudo, até a posição do jornal: deixou a página na horizontal, com o veleiro ocupando todo o espaço. E a matéria corria em volta do navio, uma linha avançando até a ponta da vela, outra um pouco menor, outra pequenininha, aí uma enorme - e, naturalmente, sem hífens, que o Murilinho não gostava disso.
O diagramador ficou mais de duas horas calculando a matéria linha por linha, cada uma com um tamanho diferente. Eu peguei a matéria pronta e refiz tudo nas novas medidas - fui terminar lá pelas nove da manhã.
Saiu linda. Mesmo assim, fui procurar o Murilo e mostrar-lhe que a matéria era ilegível: ninguém teria paciência de virar o jornal de lado e ler uma linha de 142 toques, depois outra de três toques, depois outra com 27. Para minha surpresa, ele concordou.
"Ninguém vai ler, Carlinhos. Mas todo mundo vai dizer: veja só como este jornal é bem feito".
Bingo: reforçava-se a idéia do mercado de que o Jornal da Tarde tinha um acabamento impecável, que era muito bem feito. E, cá entre nós, ninguém perdeu nada ao não ler a matéria sobre os veleiros. No fundo, não tinha importância nenhuma. E o tal veleiro japonês nunca mais apareceu no noticiário.
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
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