terça-feira, 5 de agosto de 2008

Miss Abacaxi

Michelle Alves de Lima

Minha mãe disse que conheci o Mu antes, mas a verdade é que só me lembro dele a partir de algum dia de dezembro de 1989, quando tinha seis anos. Foi o dia em que virei a “miss abacaxi”.

Ia viajar com ele e a Carlota para os Estados Unidos, onde encontraria minha avó, Ignez. Era minha primeira viagem para fora do País, e provavelmente era também a primeira vez que o Mu levava uma criança para o exterior.

Lembro-me que cheguei ao aeroporto com minha mãe, meu avô e meus tios, no horário certinho (um pouco antes das três horas de praxe para vôos internacionais), mas havia esquecido algo bem importante: a autorização dos meus pais para eu viajar (minha mãe não sabia que precisava de um documento por escrito também assinado por meu pai, com firma reconhecida etc). Imagina como o Mu deve ter 'adorado' essa história...

Foi uma confusão só. Fomos à sala da Polícia Federal no aeroporto, e até convencermos o agente de plantão que não tinha como meu pai assinar o papel (naquela época ele já morava no exterior), tampouco como falar com ele pelo telefone (ele é surdo), foi um trabalhão. Se antes eu estava aos prantos por ficar um mês longe da minha mãe, naquela hora eu fiquei aos prantos com a possibilidade de não viajar com eles.

Problema resolvido, embarquei com o Mu – que naquele dia virou meu tio, pois o agente federal colocou no meu passaporte ‘a menor viajará acompanhada de seu tio’. E ganhei um apelido, pois o Mu descobriu que era mais que uma mala que ele estava levando para Nova York. Era a Miss abacaxi.

***
‘Para’ o Mu

O Mu dizia que a gente (o Ilan, meu editor) dava muita importância para essa história de gastronomia. “Imagina, lançar um caderno só com esse assunto”, ele falava. Mas o Mu bem que lia o Paladar. E o pior é que ele não comentava nada, então eu não sabia se ele tinha gostado ou não (só depois, lendo previamente os textos deste livro, descobri que essa era uma característica do Mu-jornalista, versão dele que eu quase não conheci).

A última matéria que fiz que ele leu, sobre comida de avião, parece que ele gostou. No dia em que ela foi publicada, liguei para minha avó para contar e ela disse que o Mu já tinha ligado e até elogiado (do jeito dele, claro).

Feliz, fui ligar para ele para “colher os louros” e também combinar de almoçar no dia seguinte. 

O almoço não deu certo, pois ele estava se sentindo mal, já tinha até cancelado o programa dele no Spot (que era sagrado, diga-se de passagem), e no dia seguinte não estaria disposto (quatro dias depois do meu telefonema, ele foi internado). Perguntei se ele tinha lido a matéria, apesar de já saber a resposta. Quando estava com o ouvido pronto para ouvir os elogios e receber uma massagem no ego, ele disse: “Li, sim. Mas ‘pra’, Mi? Que história é essa? Ta desistindo?”.
O Ilan já tinha ligado para o Mu *.

* Eu nunca tinha usado ‘pra’ em uma matéria. Justo esta vez, que fiz uma matéria de três páginas, inventei de usar ‘pra’ no lugar de ‘para’ ‘pra’ dar uma ‘descontraída’ no texto. Já tinha visto em outros textos – ok, não no Paladar – e achei que não teria problemas. Quando o Ilan, meu editor, viu os ‘pras’, me chamou a atenção por cada um deles. Substituiu por para, claro, e depois contou para o Mu, que ficou decepcionadíssimo.

Eu nem tive tempo de contar para ele que eu não estava mais usando ‘pra’. Duas semanas depois, o Mu nos deixou...

Nenhum comentário: