quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Por que eu?

Marino Maradei

Naquele tempo – 1976 – redator no Jornal da Tarde era chamado de copy desk. Havia pela redação do JT dezenas de copies, distribuídos em numerosas editoriais. Política, Internacional, Geral, Esporte, Variedades. Em 76, eu era copy de geral. Escondia-me, assustado, atrás de “minha Olivetti”. Não me sentia à altura daquele timaço de jornalistas que trabalhavam e circulavam no mesmo espaço em que eu – glória e calvário! – “fechava” matérias até alta madrugada. Registro: o secretário de redação era Ivan Ângelo, o escritor. Que fazia eu ali? A cada final de edição, convencido de que não era digno de ocupar aquele espaço, prometia-me não voltar mais no dia seguinte; desistir de tudo, sumir. Só que não desistia. E nada mudava. Certo dia...porém (era um começo de expediente), o Rabino aproximou-se de mim e anunciou: “O Murilo vai fazer um jornal. Um jornal dele, dono, editor e diretor; e quer que você vá trabalhar com ele.” Fui, sei lá se por um ato de coragem ou de desespero. Perguntei a Murilinho, algumas vezes: “Por que eu?” Jamais me respondeu. Apenas passava a mão em meu ombro, olhando para o nada. E ia embora, um monte de revistas debaixo dos braços.
Atônito, ao lado de Murilinho vi nascer o Viver, tablóide paulistano semanal, guiado pelo subtítulo: Programa completo dos prazeres da cidade.
A sede do Viver ocupava um pequeno conjunto de quatro salas num altíssimo edifício da rua Augusta, muito próximo à região dos Jardins. Questionava-me, sem acreditar – em meio a muito trabalho: – “Sou eu mesmo quem está aqui? Murilinho, diretor de redação do JT é também um empreendedor, como vai tocar esse Viver?”
Levou-o por cinco números. O zero (foto de capa de Chico Guerissi, direção de arte de Hélio de Almeida) saiu em abril de 1976. Eu não tinha, então, a mínima percepção de que, em1976, Murilinho estava criando no Viver um Time Out paulistano perfeito (e necessário) para 2007.
Quando o Viver fechou as portas, Murilinho reuniu os colaboradores mais próximos para brindar, com terna alegria, o final de uma aventura que não cabia em nenhum adjetivo. Brindou-nos com duas garrafas de champanhe. A primeira, uma Veuve Clicquot, de origem controlada; a segunda, uma Georges Aubert, nacional. Com aquele sorrizinho enigmático que sempre o marcou, Murilinho levantou copos de vidro (não havia taças disponíveis) e brincou: “Foram as últimas que sobraram de minha adega”.

Um comentário:

André Laurentino disse...

Gostei de ver esta capa. O tipo é Franklin Gothic, que o Mu me fez conhecer na intimidade (quase bíblica) durante nossos anos de DPZ. É como ver um velho conhecido, amigo mútuo, que eu não via há muito tempo. Ver o Franklin Gothic, e saber que ele foi escolhido pelo Mu, é o mesmo que ver uma foto sua. Acho que o Murilo inventava estes detalhes para morar neles, e nas lembranças que nos assaltam de sopetão, escapando por entre as letras de uma tipologia.