Magy Imoberdorf
Formada em design gráfico na Suíça, cheguei a São Paulo em 1969. Desde minha primeira semana no Brasil, o que mais me chamou atenção foi um jornal, o Jornal da Tarde. Ele era diagramado como uma revista de arte. Era lindo. Tinha espaços em branco, coisa que não existia em nenhum jornal - aliás, não existe até hoje. Comecei a colecionar as páginas e me lembro de um caderno inteiro sobre Napoleão (mais tarde fiquei sabendo que era diagramado pelo Flávio Marco).Logo em meu primeiro ano de Brasil, fui trabalhar com Neil Ferreira na Norton, e a gente pendurava nas paredes as páginas do Jornal da Tarde como exemplo de layout criativo e de bom gosto. Eu queria muito conhecer quem fazia o JT, um tal de Murilo Felisberto (que era chamado de Rainha pelos amigos). Acho que o chamavam assim porque ele reinava mesmo. De cabelos brancos desde sempre, falava baixíssimo e tinha as mãos muito delicadas, para virar páginas de livros com muito respeito.
Comecei a mandar bilhetes de fã para ele, falando que o JT era o jornal mais lindo do mundo, e que eu gostaria muito de conhecê-lo. Eu e a Helga, que na época era minha chefe, fomos convidadas para um jantar na casa do Murilo, que tinha acabado de se mudar para um apartamento na Cristiano Viana. Lá havia um enorme piano, uma mesa branca de um metro por um e quatro cadeiras. As louças nas quais o jantar foi servido tinham sido compradas no supermercado naquela tarde pela empregada. A Helga percebeu esse detalhe logo que chegamos, e disse: “Como é que um homem com tamanho bom gosto tem estes pratos em casa?”. Ele nunca perdoou a Helga por isso.
Mais tarde fiquei sabendo que no andar de baixo do apartamento havia um quarto, um banheiro e uma enorme sala com um tapete branco forrado de revistas de arte e livro de propaganda, de design, enfim, de tudo que havia de mais moderno em editorial no mundo.
Comecei a freqüentar a turma do Murilo, composta por Fernando B., Mitri, Ivan Ângelo, Flavinho (que morreu por causa de uma operação de amídala), Waldinho (o preferido do Murilo, que morreu aos 27 anos de aneurisma), Telmo, Martinho, Sandrinha Abdalla, José Carlos etc...
A gente jantava tardíssimo no Giovanni Bruno, e depois todos eles voltavam para o Estadão para fechar o Jornal da Tarde. Também íamos muito ao bar do Jaraguá que ficava ao lado do prédio do Estadão/Jornal da Tarde.
Quando entrava o presidente Juscelino Kubitschek, todos se levantavam para cumprimentá-lo. Ele era amigo do Murilo, aliás, o Murilo era amigo das pessoas certas, da verdadeira elite do Brasil. Ele sempre sabia tudo antes de todo mundo e ria quando alguém descobria algo que ele já sabia fazia tempo.
Acabei namorando o Murilo, mas não sei direito se era o Murilo ou se era o JT. Eles se confundiam e eu também me confundia. Fomos juntos uma vez à Inglaterra e ele foi recebido pelo editor-chefe do Financial Times com todas as honras que ele merecia por fazer o jornal mais bonito do mundo (nas palavras também desse editor-chefe do Financial Times).
O Murilo protegia a turma dele, ele amava todos, aceitava cada um do jeito que era e sabia tirar o máximo de cada um, estimulando, incentivando e motivando do jeito dele.
Ele levantava às 14h, tomava café sem falar uma palavra e lia uns oito jornais do Brasil e do mundo, que ninguém podia abrir antes dele – ele tinha ódio de jornal já lido. Às 18h ia para o Jornal, às 22h saía para jantar, meia-noite ele voltava para o jornal e só saia ninguém sabia quando.
Ele levantava às 14h, tomava café sem falar uma palavra e lia uns oito jornais do Brasil e do mundo, que ninguém podia abrir antes dele – ele tinha ódio de jornal já lido. Às 18h ia para o Jornal, às 22h saía para jantar, meia-noite ele voltava para o jornal e só saia ninguém sabia quando.
Nosso namoro não durou mais de um ano, pois só nos víamos no jantar das 22h à meia-noite, no Giovanni Bruno. Mas o que ficou foi um grande carinho e uma admiração por um homem que adorava o design gráfico, o jornalismo e a sua turma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário